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HISTÓRIA DA ANTROPOLOGIA
POR: Alzira Simões
ANTROPOLOGIA - É um vocâbulo formado por dois
radicais de origem grega, que em latim são:
ANTHROPOS:
que significa Homem + LOGOS: que
significa tratado, discurso e mais recentemente
opta-se por ciência.
Por conseguinte, a Antropologia é o tratado do
Homem ou a ciência que estuda o Homem
intemporal e anónimo.
A Antropologia existe desde sempre na medida em
que toda a sociedade quer tenha ou não atingido
a fase científica interpretou as instituições
culturais e sociais que ela própria construiu.
Assim, a História da Antropologia é tão longa
quanto a História da Humanidade.
Cada autor tem uma interpretação da história
desta ciência, mais ou menos própria. No
entanto, todos estão de acordo que a
pré-história, desta ciência, se iniciou na
Antiguidade, uma vez que, o Homem não se limitou
a ser o simples criador da sua cultura, ele
comentou-a. Além disso, nesta época já existiam
descrições de povos "exóticos" com os quais,
Romanos e Gregos, durante os seus processos de
expansão, contactaram. De entre os escritores
Romanos podemos destacar Tácito, César e Tito
Lívio. O primeiro, descreveu os Germanos e, os
outros dois, os Gauleses.
Heródoto, a quem foi atribuído o título de "pai
da História", fez também algumas descrições com
um carácter próximo do geográfico e etnográfico.
Este autor revelou a preocupação em ser
objectivo, "e vi tudo com os meus olhos até à
cidade de Elefantina; para além dela, falo por
ter ouvido dizer e informei-me perguntando",
diz-nos Heródoto.
De acordo com uma classificação de Paul Mercier
pode-se distinguir dois grandes períodos na
pré-história da Antropologia: a dos centros
múltiplos e, em seguida, aquele onde na Europa
se desenvolveram os esforços que levariam à
constituição da Antropologia como ciência.
Esta periodização parece-nos um pouco
etnocêntrica, na medida em que apenas toma em
consideração o esforço empreendido pelos
europeus para elevar a Antropologia à condição
de disciplina científica. Porém, na realidade,
se até ao final da Idade Média a Europa, o mundo
árabe-muçulmano e a China andavam a par, em
termos de mentalidade, a partir do século XVI -
época em que sobre a inteligentia
europeia, se começavam a sentir os primeiros
reflexos dos Descobrimentos - a primeira viu
nascer "o espírito científico", enquanto as
outras duas civilizações continuaram dominadas
por um espírito teocêntrico, o qual obstou a que
o pensamento antropológico aí se desenvolvesse.
Na primeira fase do pensamento antropológico,
segundo Paul Mercier, as reflexões de caracter
antropológico surgiram de centros afastados uns
dos outros e sem contacto entre si. Por outro
lado, há que referir a existência de rupturas na
transmissão das heranças culturais.
Entre os centros de pensamento deste período da
Antropologia, figuram o mundo árabe-muçulmano e
o mediterrânico. Apesar da Idade Média no Islão
ter sido, à semelhança da europeia, teocêntrica,
evidenciaram-se três grandes espíritos, que nos
deram conta das culturas "exóticas" com as quais
os muçulmanos, em peregrinação, entravam em
contacto. Eles foram: Al Bironi, Ibn Batuta e
Ibn Khaldoun.
Al Bironi foi o autor de um tratado célebre
sobre a India e os seus habitantes.
Ibn Batuta (1304-1376) fez uma descrição do
império sudanês do Mali.
Ibn Khaldoun é considerado percurssor directo da
Etnologia, uma vez que na sua obra, é evidente
uma preocupação pela objectividade, distingue-se
a especi-ficidade do social e sublinha-se a
multiplicidade de factores que são necessários
ter em consideração no estudo de uma cultura.
Ibn Khaldoun escreveu Prolegómenos e
História dos Berberes.
No seio do mundo mediterrâneo, recorde-se Marco
Polo. O autor de O Milhão, Esta obra
descreve-nos as populações da Ásia e da África,
que conheceu durante as numerosas viagens de
caracter comercial, que empreendeu no decurso de
cerca de vinte e três anos (1272 - 1295).
Marco Polo vai inaugurar a era das grandes
explorações, que se multiplicarão a partir do
século XVI.
Apesar de terem existido alguns espíritos
abertos ao mundo, para além do Ocidente, este,
durante o período medieval, permaneceu,
dominantemente, fechado sobre si.
No processo dos Descobrimentos europeus, o
ocidental vai tomando consciência da
variabilidade do Homem no tempo e no espaço, vai
aceitando o "Outro" como semelhante e diferente
de si. Este facto estimulou a recolha, por
embaixadores, comerciantes, missionários, etc,
de docu-mentação etnográfica cada vez mais rica
e abundante até ao final do século XVIII. Apesar
de tudo, a herança etnográfica do período
Renascentista é heterogénea: "ela mistura
documentos recolhidos em boas condições e outros
recheados de preconceitos e ideias religiosas",
os quais se podem englobar em 3 grandes temas:
- "o tema teratológico (referente à
Teratologia, monstruoso) (...) põe em cena o
bestiário humano";
- "o tema do Bom Selvagem, nascido em
Itália e em França no princípio do século XVI,
começa a sua longa carreira até chegar a ser
exaltado por Rousseau; Muitos missionários,
especialmente os Jesuítas, estão ligados a
este tema. Os Jesuítas são de uma grande
importância neste período na medida em que
empreenderam um trabalho relevante na defesa dos
direitos dos povos não europeus e de recolha dos
seus usos e costumes.
- Ligado ao precedente estão os temas
mitológicos da Fonte da Juventude, do Eldorado e
da Idade do Ouro " (...) os quais (...)
desenhavam sob cores idealizadas um estado de
natureza".
A par do processo dos Descobrimentos deu-se uma
revolução cosmogónica: "Copérnico substituiu o
centro do universo e remeteu a Terra para o seu
verdadeiro lugar".
Instalou-se, assim, a dúvida sobre o pensamento
autorizado da altura - a escolástica - e
abriu-se caminho ao pensamento lógico e ao
recurso da experiência como forma de obter
conhecimento.
A "bancarrota intelectual da Igreja"
originou entre o final do século XVI e o
princípio do séc. XVII, um debate filosófico do
qual sairam os fundamentos filosóficos das
ciências que hoje se encontram formadas. Este
processo será iniciado por Descartes (1596 -
1650), que ao contrário do que se possa
imaginar, tentou reabilitar a tradição dualista
com o objectivo de tentar salvar as bases da
teologia da Igreja.
O sistema cartesiano é baseado em pressupostos
dualistas. A sua filosofia baseia-se numa série
de dicotomias: a verdade versus falsidade, "a
alma imaterial e Deus perfeito versus corpo
físico e mundo material", etc.
Descartes, era racionalista, na medida em que
pressupunha que pensar sobre as coisas era
condição necessária e suficiente para constatar
a sua existência. Então, "se a existência de
entidades mentais pode ser inferida do facto
isolado de se pensar e (...) se os objectos
materiais são radicalmente diferentes dos factos
do pensamento, então, por definição não
existiria nenhuma garantia necessária da
existência de objectos materiais dentro do
sistema cartesiano".
Dentro dos autores que seguiram os pressupostos
cartesianos operou-se uma divisão: entre aqueles
que tentaram derivar a matéria do pensamento
(Idealismo) ou o pensamento da matéria
(Empirismo). Portanto, como se pode constatar
Idealismo
Dualismo ou
Racionalismo
Empirismo
[Só pressupondo a separação entre os dois
mundos, espiritual e material, é que se pode
pensar em fazer derivar um do outro. Se se
pensar estes dois mundos como um só, ou pelo
menos, como diferentes mas não opostos,
buscaremos a sua origem comum].
Thomas Hobbes
(1588 - 1679) "é considerado como secundando
Descartes em importância na formação da
filosofia racionalista, no entanto, as duas
principais subtradições que Hobbes fundou - a
teoria do Contrato Social e a teoria empírica do
conhecimento - tiveram muito mais impacto sobre
as preocupações actuais do que o racionalismo
cartesiano"
.
A teoria empírica baseada no dualismo
pensamento/matéria constituiu uma tentativa de
fazer derivar o conteúdo do pensamento da
matéria.
A teoria do Contrato Social é uma análise que
tem pela primeira vez como objecto o Estado
considerado não como o "corpo político", isto é,
o conjunto do rei e os seus súbditos, mas como
organização social. Esta análise foi feita em
duas obras: De Cire (1642) e Natureza
Humana e de Corpore Politico.
Segundo Hobbes, o Estado é o fruto de um facto
artificial, isto é, criado pelos homens e não de
origem divina. A justiça, actividade exercida
por este aparelho, funda-se nesse facto que
consiste "no consentimento que alguns homens
davam a outros para que estes últimos cerceassem
seus direitos individuais"
.
O Estado, de acordo com o autor, justifica-se na
medida em que num estado de natureza, onde a
vontade reina (onde não há cerceamento de
direitos) as necessidades de sobrevivência
individual levariam inevitavelmente ao caos
social, o qual é contrário à existência de uma
sociedade. Para que tal não aconteça, os
indivíduos têm de alienar os seus direitos em
benefício do Estado. Em contrapartida, cada
membro da comunidade tem assegurado a sua
sobrevivência.
Na Teoria do Contrato Social o dualismo está,
igualmente, presente na medida em que postula
que a vontade deve ser alienada ou não, o
cerceamento de direitos deve ser afirmado ou
negado mas nunca se deve verificar uma situação
intermédia.
John Locke
(1632 - 1704), à semelhança dos autores acima
citados, desenvolveu um conjunto de ideias ao
nível da filosofia social e da filosofia
natural. Relativamente à primeira, este autor
corroborou os argumentos de Hobbes, segundo os
quais a sociedade fundava-se numa alienação de
direitos individuais. Contrariamente a este
autor, porém, Locke considerava que num Estado
de Natureza também poderia verificar-se uma
transferência da vontade.
A análise de Locke no âmbito da filosofia
natural é baseada na dicotomia
pensamento/substância. Para este autor as ideias
de "Deus", "Eu" e "Infinito" eram externas ao
indivíduo, logo não inatas e a assimilação feita
pelo mesmo obedecia a um processo onde, a mente
não intervinha. Esta era completamente passiva,
meramente receptora de ideias, como uma Tábua
rasa.
"A doutrina das ideias inatas que Locke tentou
rejeitar foi adoptada como a principal
alternativa à sua posição na segunda subtradição
racionalista (...) chamada geralmente de
idealismo".
O barão Wihelm Gotfried von Leibnitz
(1676 - 1716) foi o idealista cuja teoria foi
melhor recebida no seio da filosofia social. Na
sequência directa de Descartes, Leibnitz
postulou que só poderia haver um conhecimento
certo ou necessário das substâncias imateriais.
Por outro lado, desenvolveu um conceito da mente
como algo activo na formação do conhecimento,
não apenas como mero receptáculo. Esta concepção
da mente irá desempenhar um papel relevante nas
filosofias monistas tanto de Hume quanto de
Kant, bem como no dualismo de Hegel.
A obra de Rousseau (1712 - 1778) teve um grande
impacto entre a classe intelectual da sua época
e entre autores posteriores como Kant, Hegel,
Comte e Durkheim. Esta não pode ser analisada
como um todo na medida que possui,
simultaneamente, argumentos dualistas e monistas.
Ele foi um céptico pelo facto de ter construído
a história da sociedade baseado nas diversas
fases que o indivíduo passa - fase infantil,
adolescente, adulta. Paralelismo entre
desenvolvimento humano e social. Pode-se,
simultaneamente, considerar a sua obra como
dualista, na medida em que definiu sociedade - a
qual era, segundo ele, sinónimo de vontade geral
tendo como base 2 dicotomias: vontade versus
razão e particular versus geral.
A sociedade, como vontade geral, era uma noção
operatória do investigador e não de forma alguma
uma construção consciente dos indivíduos. A
"vontade geral" era determinante do
comportamento dos membros da sociedade, mas não
redutível a eles. Para Rousseau nem mesmo o rei
poderia representar esta entidade, na medida em
que o considerava uma "vontade particular"
entre as outras. A lei devia a sua validade
apenas à vontade geral e a mais nehnhum poder.
"Não há utopia nem teoria política que a partir
deste segundo período não tenha em conta o homem
da natureza"
, o outro idealizado iria permitir ao ocidental
pôr em questão a sua cultura. Dentro daqueles
que o fizeram destacam-se: T. Hobbes, J. Locke e
J.-J.Rousseau. Este último desenvolveu o seu
modelo de homem natural em Émile (1762).
Por outro, "estas interpretações racionalistas
da vida em sociedade implicavam, pelo menos
sumariamente, a ideia de um desenvolvimento da
vida da humanidade".
Em Hobbes, a consideração de um estado de
natureza onde há cerceamento de direitos e um
estado de civilização onde a razão substitui a
vontade envolve uma ideia de evolução, ainda que
embrionária, não consciente ao autor.
Em Rousseau a ideia de desenvolvimento é já mais
específica. Este autor argumentou que a
sociedade se encontrava em progresso, isto é,
num processo crescente de complexificação, de
afastamento da simplicidade e integridade
naturais.
Como síntese da tradição dualista ou
racionalista poder-se-á dizer que todos os
autores aqui referidos, quer fossem idealistas
quer empiristas - ao nível do objecto -
concebiam o indivíduo e as relações que este
mantinha com o mundo, postulando um outro mundo
além do indivíduo e das percepções. Ao nível do
método eles utilizavam a dedução como forma de
demonstração.
O CEPTICISMO
A tradição céptica ressurgiu em força na segunda
metade do século XVII através das críticas
feitas aos racionalistas por Robert Boyle e
Newton. Esta corrente não acreditava em nada
como sendo absolutamente verdade e não aceitava
a existência de algo que não pudesse passar pela
prova da experiência.
A filosofia social monista remonta, pelo menos,
a Montaigne (Michel Eyquem de)
cuja ironia e paradoxo dos seus Ensaios
motivaram Voltaire.
O interesse em abordar Voltaire na História da
Antropologia não será tanto devido à sua atitude
céptica, mas mais devido à sua perspectiva
evolucionista acerca da história da cultura.
Este último movimento de ideias está ligado
àquele na medida em que, pressupondo que a
verdade não se dá aos indivíduos, ela será
considerada como resultante de um processo
histórico. (A verdade alcançar-se-á por
tentativas e erros consecutivos). Ele resulta do
desembaraçamento da carga mítica que envolvia a
história e da sua aventura humana; Desenvolve-se
verdadeiramente a partir do início do século
XVIII e por toda a Europa.
Voltaire protagoniza, bastante bem, esta
corrente de ideias. Em "Cartas chinesas,
indianas e tártaras a Madame de Pauwn por um
beneditino" ele esboça uma hierarquia de
culturas na qual coloca os chineses ao mesmo
nível que as sociedades civilizadas da Europa e,
no "Ensaio sobre os costumes" (1756), o qual se
aproxima de um tratado de civilizações
comparadas, ele expõe as culturas de acordo com
uma hierarquia (que iria do inferior para o
superior, do simples para o complexo, ou do
"natural" para o "civilizado").
Além de Voltaire muitos outros espíritos
iluminados se converteram a esta tendência
"evolucionista" avant la lettre, como por
exemplo Condorcet, cuja obra tem um título
significativo Quadro histórico dos
progressos do espírito humano, ou Vico ou
ainda Herder. Estes últimos escreveram sobre a
filosofia da história, a qual, nesta altura era
conceptualizada como uma caminhada ascendente,
um progresso constante.
Montesquieu (1689-1755) foi também um céptico e
ao mesmo tempo um "evolucionista" (entre aspas).
Enquanto céptico, Montesquieu viu o sistema das
leis como um conjunto de convenções em evolução,
e relacionado com tudo o que o envolve (isto é,
relativo no tempo e no espaço); segundo o mesmo
autor, as leis:
"devem ter relação com o clima de cada país, com
a qualidade do seu solo, com a sua situação, sua
extensão, com a principal ocupação do seu povo,
lavradores, caçadores ou pastores; devem
relacionar-se também ao grau de liberdade que a
sua constituição pode tolerar; à religião dos
seus habitantes, a suas inclinações, a suas
riquezas, a seus costumes, a seu comércio, a
suas maneiras. Enfim elas, relacionam-se umas
com as outras (...) E é isto o que eu procurarei
fazer nesta obra. Examinarei todas essas
relações; elas formam um conjunto a que chamo
Espírito das Leis", in: (Livro I, Cap. 3) Murray
Leaf, op. cit. p. 45.
Vários factores condicionam as leis e em
proporções diferentes, de tal modo que, cada
sistema legislativo é específico, é uno. Por
outro lado, este, entre outras instituições,
como os usos e costumes, governam os homens,
modelam-lhes o "espírito". Montesquieu, à
semelhança dos seus contemporâneos, empreendeu
uma crítica à sua sociedade. Filiou-se
igualmente na visão "evolucionista" da história.
Este facto levou-o a, nas Cartas Persas e
no Espírito das Leis, introduzir a
divisão entre povos selvagens, bárbaros e
civilizados. Divisão esta que se tornará a base
das sequências evolutivas do século XIX. No
primeiro estádio de civilização os indivíduos,
segundo este autor, regular-se-iam apenas pelas
leis da natureza, obedeciam apenas às suas
necessidades. O Espírito das Leis
encontra muitos paralelos nos escritos dos
moralistas escoceses repres-cutados,
fundamentalmente, por David Hume (1711-1776),
Adam Smith (1723-1790) e Adam Ferguson (1723 -
1816).
A obra de Adam Smith está subdividida em:
"Teoria dos sentimentos morais", "Inquérito
sobre a causa da riqueza das nações" e "Ensaio
de temas filosóficos".
Smith na medida em que foi um empiricista
reflectido, isto é, situou-se entre o método
dedutivo (do particular para o geral) e o
indutivo (do geral para o particular), filiou-se
ao mesmo tempo em Descartes e Newton. Este
empiricismo reflectido exprimiu-se por uma
intenção de explicar, não sistemas globais de
sociedades, mas somente o modus operandi
(modo de funcionamento) de um tipo particular de
economia que foi a ocidental.
No domínio da filosofia da história Smith buscou
influências de Rousseau, Voltaire e do "Espírito
das Leis" de Montesquieu.
Para o autor da Riqueza das Nações, o
Homem é um ser activo, disposto ao melhoramento
constante das suas condições de vida. No
entanto, o desenvolvimento está dependente de
condicionalismos geográficos. Por exemplo,
aqueles que se encontram isolados ou cujo acesso
era difícil estavam condicionados à estagnação.
Smith postulou quatro estádios de
desenvolvimento económico: caça, pastorícia,
agricultura e comércio. A cada um deles
corresponderia um estado de organização social.
Esta ideia revela um determinismo económico. O
estado mais rude estava represcutado nas tribos
da América do Norte e a fase pastoril nos
Tártaros e nos Árabes. Para fazer esta
classificação o autor baseou-se nos dados
fornecidos por Ibn khaldoun.
Em termos de história económica europeia, Smith
faz remontar a fase agro-pastoril aos coloniae
romanos, e aos pastores germanos.
Segundo Murray Leaf, Smith denota também uma
proximidade com Montesquieu ao nível da noção de
divisão do trabalho a qual, significava, para
aquele autor, "uma diferenciação social
ordenada, elaborada por indivíduos que perseguem
seus próprios fins, estabelecendo padrões de
interdepen-dência e não de autoridade e criando
uma ordem social geral através da intervenção do
que Smith chamava de mão invisível".
David Hume nasceu na Escócia em 1711 e morreu em
1776. Os seus escritos compreendem um leque de
assuntos bastante vasto: economia, política,
história, estética e um grupo que poderíamos
reunir sob o tema geral de Sociologia.
A obra de Hume é relevante para a Antropologia
devido à importância que atribuía ao estudo da
história, por um lado e, por outro, graças ao
novo sentido que deu ao conceito de experiência.
Enquanto filósofo céptico, Hume insistiu na
relevância do estudo da história para a
compreensão da experiência humana e enquanto
"moralista" formulou um sistema de leis
históricas do comportamento ou leis que
explicavam as transformações básicas do mesmo.
O conhecimento da relação causal não é alcançado
por raciocínios a priori mas, tem a sua origem
na experiência, isto é, da observação repetida
de uma recorrência na ligação entre dois
fenómenos. Portanto, para Hume experiência não
significava apenas observação empírica da
relação entre dois factos, mas a observação
repetida dessa mesma ligação.
Esta nova concepção de "experiência" teve
implicações ao nível da ciência, pois obrigou a
que a ampliação de conhecimentos consistisse num
processo de novas in-vestigações orientadas para
o estabelecimento de novas conjugações
constantes.
Adam Ferguson "combinou (...) o espírito crítico
de Hume e o espírito histórico de Mostesquieu" (in:
p. 766, Enciclopédia Internacional de Las
Ciencias Sociales, vol. 4).
Ferguson publica, em 1967, History of Civil
Society, obra que lhe deu projecção no meio
intelectual, dentro e fora do seu país, e na
qual expõe a sua filosofia social e moral.
O objecto central da filosofia moral de Ferguson
é a natureza humana. Para este moralista, o
homem é um animal racional e, portanto, capaz de
uma evolução moral, é inteligente e activo, logo
capaz de fazer aumentar os seus recursos, de
construir progresso. Por outro lado, o homem é,
simultaneamente, indivíduo e membro de uma
comunidade, que lhe fornece as normas de conduta
(isto é, as ferramentas que ele necessita para
se movimentar em sociedade), constitui o fim
último das suas acções e o meio através do qual
o indivíduo sente-se pertença do todo.
Os pontos principais da teoria social de
Ferguson são:
- a distinção entre lei física e lei moral,
sendo esta uma generalização de valores e normas
de conduta e possuindo um caracter mais geral do
que a própria lei (a lei moral condiciona a lei
em si e os costumes);
- a "divisão social do trabalho" - Ferguson deu
a esta noção um sentido fundamentalmente
idêntico ao de Adam Smith, no entanto, foi mais
além na medida em que perspectivou as
consequências ao nível social da especialização.
Na sua opinião, esta continha a possibilidade de
uma anomia ou ruptura moral da sociedade através
do desenvolvimento de expectativas morais cada
vez mais diferenciadas perdendo-se o sentido
dominante de pertencer à comunidade;
- e a história sob um ponto de vista cepticista.
"No campo da filosofia histórica Ferguson
comunga mais pontos de vista com Mostesquieu do
que com Smith, na medida em que considerava,
por um lado, que a história era um progresso
constante mas não um projecto (isto é, a
caminhada ascendente não estava previamente
planeada), ou seja, ele não atribuia à evolução,
em geral, um sentido ortogénico
e, por outro, que não havia nenhuma escala
absoluta de complexidade social, logo o seu
esforço direccionou-se para o estabelecimento de
comparações ao nível regional.
Immanuel Kant
(1724 - 1804) nasceu em Konisberg (pertencente
então à Prússia Oriental) onde passou toda a sua
vida.
A filosofia de Kant situa-se entre o empirismo e
o racionalismo, na medida em que não aceitava
nem um nem outro de uma forma pura.
A preocupação central deste autor foi a de
encontrar um critério de objectividade para o
conhecimento humano, o caminho para estabelecer
a verdade. Para isso, tentou determinar a
possibilidade dos juízos sintéticos à priori. O
Homem ordena a experiência em função de uma
série de intuições que não derivam desta e não
podem submeter-se a demonstração empírica. Estas
intenções ou juízos sintéticos à priori são: o
espaço, o tempo e a causalidade. O conhecimento
é, simplesmente, uma aplicação destas categorias
ou conceitos à priori à percepção dos sentidos,
não se estendendo ao que está para lá dos
fenómenos, quer dizer aos númenos ou coisas em
si;
A teoria antropológica de Kant:
Para este filósofo "Antropologia" significava o
estudo do homem ou da alma feito através dos
sentidos internos (da introspecção); baseava-se
na distinção entre o eu como coisa em si ou
númeno e o eu como fenómeno. A unidade
transcendental - eu enquanto númeno - é apenas
acessível através da introspecção, enquanto o eu
fenómeno pode ser objecto de estudo empírico.
Através deste breve resumo acerca da
antropologia ou fisiologia de Kant podemos
constatar que, neste âmbito ele introduziu
poucas noções.
A teoria social de Kant está baseada no conceito
de Progresso, o qual tem como origem o conflito
interno entre a sociabilidade do homem e o seu
egoísmo. Este autor teorizou um progresso
político, o qual culminaria numa organização
política perfeita, e um progresso moral. As
etapas do desenvolvimento moral do homem são a
anomia, a heteronomia e a autonomia. No estado
anómico, o homem "primitivo" apenas obedecia aos
seus impulsos (procura de alimentos, água,
etc..), às suas necessidades. Entrou-se na
heteronomia ou civilização quando os indivíduos
alienaram o seu estado natural em favor da
aceitação de uma lei moral imposta de fora. Este
último estádio dá lugar ao seguinte, ou à
autonomia, quando o indivíduo obedecerá somente
a uma lei imposta por ele mesmo - o imperativo
categórico.
SÉCULO DEZANOVE - XIX
Se o Iluminismo e o Liberalismo Clássico -
política económico-social que partiu dos
fundamentos iluministas - são reflexo do
desenvolvimento técnico e científico do século
XVIII, aqueles vão, por sua vez, originar
grandes transformações sobre a economia, a
política, a sociedade e a ciência dos países que
adoptaram os seus princípios.
ECONOMIA E POLÍTICA
Se a economia do mundo do século XIX se
estruturou principalmente, sob a influência da
Revolução industrial britânica, a sua política e
ideologias ficaram a dever-se sobretudo aos
franceses.
O 1º país a avançar para a industrialização foi
a Grã-Bretanha, processo que se inicia em 1780 e
que em 1848 está em plena actividade.
Nos E.U.A. e na Europa Ocidental e Central a
industrialização não começou antes de 1830
devido às consequências nefastas que a Revolução
francesa e as guerras do fim do século XVIII (da
França e seus aliados com a Inglaterra e seus
aliados) trouxeram para a economia. Até a esta
data, fora da Grã-Bretanha as transformações
industriais eram ainda modestas e os camponeses
constituíam a maior parte da população mundial.
Mas a partir de 1830 com excepção da França e
Bélgica - a recuperação foi de tal modo rápida
que em 1848 as indústrias estavam já largamente
difundidas. A França e a Bélgica arrancaram na
mesma altura, no entanto, o desenvolvimento
económico processou-se lentamente, não por falta
de capital mas porque o dinheiro era investido
em indústrias de artigos de luxo e não em
artigos com muita procura.
Paralelamente à industrialização no mundo ia-se
assis-tindo a algumas transformações lentas mas
essenciais.
A 1ª foi um crescimento populacional sem
precedentes e ininterrupto. A 2ª foi a
intensificação dos caminhos de ferro, redes
rodoviárias, pontes, canais, etc... A 3ª incidiu
sobre o desenvolvimento do comércio e da
migração.
Em termos políticos a Europa do século XIX é
caracterizada por 3 vagas de revoluções que
tiraram o seu exemplo da Revolução Francesa de
1789.
A 1ª limitou-se ao mediterrâneo, a 2ª atingiu
toda a Europa a ocidente da Rússia e os Estados
Unidos e, a 3ª e maior começou em 1848 e deu-se
na França, Itália, Estados Alemães, Império dos
Habbsburgos e Suíça. Esta última vaga também
inclui a Grã-bretanha, mas de uma forma menos
intensa.
Nos países dominados pela economia tradicional,
da qual Portugal é um exemplo, a revolução do
século XIX vai tirar o poder político à
aristocracia e atribuí-lo à burguesia. Nos
países industrializados como por exemplo a
Grã-Bretanha, esta revolução é resultado do
descontentamento económico e social provocado
pela política económia prosseguida.
Foram, portanto, sublevações de caracter
económico. A grande revolução política na
Grã-Bretanha, no género da Revolução Francesa já
se havia dado no século XVIII. Este facto
constituiu um dos factores que contribuiram para
que esta nação tivesse sido a primeira a
industrializar-se seriamente. Com a monarquia
parlamentar, o Estado, servia para os proteger,
para os ajudar. Em Portugal, por exemplo, a
Burocracia era e continua a ser um entrave ao
desenvolvimento económico.
O poder político da França durante os primeiros
20/30 anos do século XIX foi dominado por
Napoleão, figura lendária, bravo guerreiro que
primeiro foi pró-consul e depois se auto-nomeou
de Imperador. Napoleão foi expulso do poder e
voltou a instalar-se o poder monárquico,
chefiado por Luís XIII. Na Inglaterra o poder
político foi liderado na sua maior parte pela
rainha Victória.
SOCIEDADE
Em termos sociais, na Grã-Bretanha e na França
novecentistas assistiu-se à ascensão galopante e
à afirmação da burguesia como classe dominante.
Os interesses económicos, políticos e sociais
burgueses estão acima dos de qualquer outra
classe. A ideologia conservadora burguesa molda
qualquer área de actividade.
ENSINO E CIÊNCIA
A dupla revolução - industrial na Inglaterra e
política na França em geral - incentivou a
educação científica, abriu novas áreas de estudo
devido ao desenvolvimento do comércio e
exploração das colónias, colocou questões
específicas às ciências, confrontando-as com
novos problemas.
A REFORMA DO ENSINO
A reforma do ensino desenvolvida na França assim
como a criação de certas sociedades - a
Sociedade de Etnografia e a Sociedade dos
Observadores do Homem - são uma
concretização dos ideais da Revolução Francesa:
a valorização do Homem enquanto ser racional e
pensante.
Na Grã-Bretanha não se assistiu a uma reforma do
ensino mas, constituiram-se diversas
instituições privadas que pretendiam responder a
imperativos mais práticos que teóricos. Aqui, as
indústrias estimulavam estudos que
contribuíssem para o seu desenvolvimento. Assim
surgiram sociedades como a "Birmingham Lunar
Society" e a "Manchester Literary and
Philosophical Society".
ABERTURA A NOVAS ÁREAS DE ESTUDO
O processo que conduziu a Geologia à área de
estudos científicos, iniciou-se na Grã-Bretanha.
Esse processo foi possível devido à construção
dos caminhos de ferro, uma vez que, à medida que
iam avançando na sua construção iam encontrando
fósseis. Fósseis estes que desencadearam um
interesse pela disciplina e reactivaram
polémicas antigas sobre a idade da Terra, a
idade do Homem e a deste em relação àquela.
Na sequência das mesmas explorações formou-se
uma nova disciplina - a Arqueologia - a qual,
durante a primeira metade do século XIX deve um
importante contributo à Antropologia.
A indústria algodoeira, em grande
desenvolvimento na Inglaterra novecentista,
conduziu os ingleses até à India, onde
empreenderam uma intensa exploração da cultura
do algodão. Sir William Jones, que possuia um
cargo na administração colonial, interessou-se
pelo sânscrito e dedicou-se ao estudo comparado
das línguas indo-europeias, gerando uma polémica
à volta destes assuntos e um desenvolvimento
ininterrupto da linguística.
Sir William Jones foi o primeiro a afirmar que o
sânscrito, o latim, o grego, o celta e o gótico
estavam relacionados, na medida em que tinham
uma origem comum.
Com estes exemplos não se pretende afirmar que a
evolução das ciências entre 1789 e 1848 possa
ser analisada exclusivamente em termos de
movimentos na sociedade. A maior parte das
actividades humanas têm a sua lógica interna que
determina, pelo menos, parte do seu movimento.
O DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO NO SÉCULO XIX
Neste item vamos tentar sintetizar:
. a herança iluminista;
. descrever o percurso que cada
disciplina teve e o contributo decisivo na
constituição da Antropologia
- no âmbito do método e do objecto;
. e, por último, apontar as principais
características da Antropologia no tempo em que
se tornou uma ciência.
HERANÇA ILUMINISTA
As ideias de Homem omnipotente e de progresso
estão no auge e tornam o discurso dos homens
optimista.
Em relação ao homem ocidental domina a ideia que
este, através da sua razão, pode alcançar tudo,
dominar a natureza e construir um mundo melhor,
mais perfeito, ou seja, ser sujeito do progresso
que ele testemunha com os seus próprios olhos.
No que respeita ao "primitivo", este é
considerado o "Bom selvagem", aquele que,
desprovido da razão, vive com os outros animais
em plena harmonia com a Natureza, isto é, vive
no Estado de Natureza.
Não demorou muito para que a ideia de história
dominasse - astronomia, geografia, geologia,
arqueologia (disciplinas recém formadas), a
biologia, a linguística e as ciências sociais.
No entanto, esta história possuía um sentido
específico: ela era concebida como um
aperfeiçoamento constante, como uma
complexificação crescente das sociedades, a qual
obrigava à passagem por certos estádios de
desenvolvimento e do cumprimento de certas leis;
portanto, deve-se falar antes em "Evolução" e
não "História".
Sobretudo nas Ciências naturais e na linguística
a definição do tema - a evolução das espécies e
a evolução das línguas, respectivamente - foi
acompanhada pelo aperfeiçoamento dum método que
parecia adequar-se melhor à noção de evolução:
era o método comparativo. Só através da
comparação das espécies animais, línguas,
estratos geológicos, culturas é que poderíamos
dispôr no tempo e formar hierarquias evolutivas.
LINGUÍSTICA
A contribuição da linguística foi essencial para
a formação da Antropologia, em especial no que
se refere ao método. O método linguístico foi o
que primeiro teve importância para esta
disciplina.
A metodologia linguística de caracter próximo do
estrutural (isto é, privilegiando a percepção
das rela-ções entre os elementos linguísticos)
resultou da combinação de duas tradições
monistas do método comparativo:
- uma remetia a Kant mas,
indirectamente através de Johann Gottfried von
Herder e Friedrich Karl von Savigny ( ou seja,
constituía uma interpretação de Herder e Savigny
do método comparativo de Kant);
- a outra derivava da análise da
linguística dos autóctones do Sul da Ásia
(tradição linguística de base monista da Ásia
meridional).
Os linguistas mais intimamente identificados com
o método comparativo são Rasmus Rask e os irmãos
Grimm que se destacaram nos primeiros 25 anos do
século XIX.
Os primeiros antropólogos a empregá-lo foram J.J.
Bachofen, Henry Maine, Lewis Morgan e John F.
MacLennan, os quais publicaram as suas obras
mais importantes na década de 60.
Johann Gottfried von Herder
(1744 - 1803)
Herder foi aluno e protegido de Kant. A sua obra
com relevância antropológica foi Ensaio sobre
a origem da linguagem datada de 1772. Para
este autor as diferentes linguagens corporificam
diversos sistemas de distinções. Esta concepção
herderiana de linguagem pressupõe a
possibilidade de uma variação linguística no
espaço e um desenvolvimento no tempo.
Friedrich Karl von Savigny
(1779 - 1861)
Este autor não foi aluno de Kant, mas foi um
continuador da sua obra e da de Montesquieu.
Savigny exerceu uma influência mais directa do
que Herder no desenvolvimento do método
comparativo na Antropologia. Foi professsor dos
irmãos Grimn e posteriormente de Bachofen.
Foi "mestre" de Maine, MacLennan, Morgan e
Bastian.
Em Savigny denota-se o pluralismo (aceitação de
mais de um ponto de vista, de uma corrente de
ideias) e o relativismo (atitude de assumir a
limitação do seu ponto de vista) de Montesquieu
ao esforçar-se por ver as instituições do ponto
de vista daqueles que a utilizam e
diacronicamente - isto é, observar as
transformações ao longo do tempo.
Para o autor de História do Direito Romano na
Idade Média e Da Vocação da Nossa Época
para a Legislação e a Jurisprudência a lei
não tinha nenhuma base "racional" ou "natural",
mas resultava dos usos e costumes das
populações. Esta concepção revela a consciência
de que a cultura é um factor condicionante senão
determinante dos factos de cultura (a cultura
condiciona-se a si mesma).
A combinação da interpretação herderiana dos
pressupostos monistas de Kant com a tradição
linguística de base monista, foi, primeiramente,
feita por Sir William Jones e Friedrich von
Schlegel. O primeiro através da comparação de
elementos linguísticos e culturais chamou a
atenção para a possibilidade de uma origem comum
entre culturas e línguas tão díspares como o
hindu, o fenício, o grego , o godo, o celta, o
chinês, o japonês e o hervano. Schlegel adoptou
critérios mais propriamente linguísticos para
decidir sobre as relações históricas, advertindo
para o risco das extrapolações e criticou Jones,
afirmando, perentosamente, que não poderia ser
demonstrada nenhuma unidade geral entre todas as
línguas que ele havia citado como "parentes
entre si".
O trabalho de Schlegel foi seguido pelo de
Rasmus Rask (em 1818) e de Jakob Grimm (em
1819), os quais trouxeram um modo acabado de
descrever o tipo de conexões que Jones havia
intuído e Schlegel havia insistido - o método
comparativo. A partir de Grimm e Rask as buscas
no domínio da linguística histórica continuavam,
mas os princípios da disciplina permaneceram da
forma que Rask e Grimm estabeleceram.
Com estes dois autores, o método comparativo
atingiu o nível de modelo, sobre o qual assenta
a actividade científica. O método comparativo
"corporificava modelos bastante definidos de
pesquisa científica", diz-nos Murray Leaf, ou
seja, recolha e tratamento dos dados; possuía
uma teoria definida; continha uma concepção
definida de lei científica.
A teoria subjacente ao método comparativo era a
teoria evolucionista, a qual se poderia
representar por uma árvore com galhos que se
vinham ramificando até aos nossos dias:
O conceito de lei centrava-se no processo de
ramificação e, a partir de uma série de usos,
poderia surgir uma trasnformação sistemática
numa parte ou num dos galhos.
ARQUEOLOGIA
Refere Marvin Harris "Em 1860 os êxitos da
Filologia na reconstrução dos passos da evolução
da fonologia, da gramática e da semântica
indo-europeia uniam-se à arqueologia para
recordar aos antropólogos da validade do método
comparativo". Expressão semelhante oferece-nos
Murray Leaf "Os progressos arqueológicos estavam
intimamente ligados aos avanços da Linguística e
conferiram uma importância maior ao método
subjacente" - o comparativo.
A Arqueologia revelava-se, também, importante na
medida em que confirmava a existência, no
passado, de civilizações antes tidas como
lendárias, como Tróia, por exemplo. Este facto,
a par das importantes conquistas no domínio da
Linguística causou a impressão dominante que se
"estava prestes a ter uma compreensão abrangente
de toda a história da humanidade", refere Murray
Leaf.
BIOLOGIA
"As tradições que culminaram na Antropologia
moderna e nos primórdios da Biologia
evolucionista não eram adaptações isoladas, mas
sim paralelas, do método comparativo a problemas
diferentes, ainda que possuindo certos pontos em
comum", afirma Leaf.
É habitual, hoje em dia, a acusação de "racismo"
ou de "darwinismo social" à Antropologia do
século XIX, transparecendo a impressão de que
esta se desenvolveu, de algum modo, a partir da
Biologia evolucionista. De facto, em
determinados países o termo "Antropologia"
significou, e talvez ainda signifique,
praticamente teorias de desenvolvimento cultural
de base biológica. Todavia, estas tradições têm
pouco a ver com os pensadores etnológicos que
deram origem à moderna Antropologia social e
cultural.
À semelhança das outras ciências, a Biologia a
partir do final do séc. XIX, também, adoptou o
método comparativo e o tema da evolução. À volta
deste assunto vai desenvolver-se, igualmente, um
debate entre as tradições monista e dualista.
Enquanto, a primeira considerava que a forma
como a Natureza se estruturava devia-se a si
própria e era o resultado de uma sequência de
desenvolvimento, a segunda, neste caso, derivava
da Teologia Cristã e postulava que as categorias
(biológicas, filo, classe, espécie) eram
reflexões da razão de Deus. A posição dualista
foi sistematizada por Lineu (1707 - 1778). Autor
que desenvolveu um sistema de classificação
aplicável a todos os seres vivos e utilizou o
método de análise morfológica comparativa
Lineu (ou Carl von Linné) não sugeriu a evolução
das espécies, para ele o Sistema da Natureza
seria um trabalho de Deus compreendido pelo
homem.
O barão Georges L.C. Cuvier (1769 -
1832), que era neptunista, continuou com os
ataques ao cepticismo, tal como Lineu. Cuvier
alargou o sistema de classificação construído
por Lineu e aplicou-o tanto a organismos novos
como aos fósseis, na suposição que entre estes e
aqueles não tinha havido uma evolução.
Louis Agassiz
(1807 - 1873), colaborador de Cuvier, em
conformidade com a corrente dualista, acreditava
firmemente que cada espécie era especialmente
criada por um acto de Deus, logo possuía um
conceito de espécie restrito, facto que lhe
valeu algumas críticas.
A corrente neptunista foi vivamente atacada
pelos cépticos, dos quais Darwin constitui o
expoente máximo. Antes deste, porém, outros
autores tinham já expressado as suas ideias
monistas, tais como Lamarck (1774 - 1829),
contudo, a autoridade eclesiástica ainda se
mantinha suficientemente forte para impedir a
constituição de uma visão completamente laica do
mundo.
O principal objectivo de Lamarck era encontrar
uma explicação para a evolução progressiva nas
espécies. Para este autor, esta não residia em
Deus mas apenas na Natureza, nas propriedades
dos próprios organismos. Lamarck estabeleceu
quatro leis de evolução das espécies, as quais
foram empregadas por Darwin na formulação da sua
teoria.
CHARLES DARWIN
(1809 - 1882)
A maior parte dos pontos chave da teoria de
Darwin - excluindo a concepção de selecção
natural - já tinham sido desenvolvidos, com o
mesmo sentido ou não que aquele que ele lhe deu,
por outros biólogos avant la lettre.
Além de Lamarck, o autor de A Origem da
Espécies foi muito influenciado (talvez mais
do que por Lamarck) pelas ideias de Thomas
Malthus (1766 - 1834) e Charles Lyell (1797 -
1875).
A dívida de Darwin para com Malthus não é
unanimemente reconhecida. Murray Leaf e Marvin
Harris, por exemplo, têm opiniões divergentes a
respeito deste ponto.
Segundo Malthus, havia um desequilíbrio entre a
capacidade de produção e a capacidade de
reprodução de uma sociedade, facto que obriga a
população a uma luta constante pela sua
existência e coloca uma parcela da população
sempre condenada à miséria.
Darwin, pelo contrário, interpretou estes
diferentes ritmos de crescimento num sentido
positivo, ou seja, para ele a luta pela
existência iria conduzir ao aperfeiçoamento das
espécies vivas. Ao realizar esta reinterpretação
da teoria malthusiana, Darwin estava a fundir
dois princípios antagónicos: a noção iluminista
de progresso e a noção da história como um
tormento, como uma caminhada em direcção à
miséria generalizada.
Foi a obra Princípios da Geologia, de
Lyell, publicada um ano antes de Darwin embarcar
no Beagle (1830), que levou este autor a
abandonar a sua postura moderada perante as
escrituras. Neste livro, Lyell afirma que as
espécies fósseis que Cuvier e outros haviam
classificado ao lado das espécies actuais eram,
na sua maior parte, estrutural e
sistematicamente diferentes das formas vivas
actuais. por outro lado, Lyell fez a ampliação
da cronologia terrestre e humana.
Na época de Darwin, dentro da problemática da
evolução, apenas uma questão estava por
responder: "qual o mecanismo que produzia o
desenvolvimento, a trasnformação das espécies".
A noção darwinista de selecção natural propõe
uma explicação para esta questão: "como são
produzidos mais indivíduos do que os que têm
possibilidade de sobreviver, deve haver, em
todos os casos, uma luta pela existência, ou
entre os indivíduos da mesma espécie, ou entre
indivíduos de espécies diferentes", declara
Darwin na página 64 da sua obra. Esta luta age
sobre a variabilidade inerente que existe entre
as espécies, e resulta na selecção daqueles
traços que melhor possibilitam a sobrevivência
dos indivíduos, enquanto os traços menos
condizentes com a sobrevivência desaparecem com
os indivíduos que os possuem.
Tal como Murray Leaf afirma "o espantoso não é
que Darwin tenha inventado tanto, mas sim que
tenha acrescentado tão pouco ao que estava
estabelecido (...). No final de contas, a sua
contribuição individual não foi a evolução em
geral, mas a noção de 'selecção natural'".
Outro debate importante da época, era o que
envolvia a Geologia e o que se referia à Idade
da Terra, à sua evolução e à Idade Absoluta e
Relativa do Homem. Confrontavam-se, neste
domínio, duas correntes de opiniões : o
neptunismo ou catastrofismo que acreditava na
verdade revelada pelas Sagradas Escrituras e
tentava ver nos estratos da Terra as suas
convicções:
. Que a constituição e a forma da terra
não tinham evoluído desde que Deus a concebeu;
. Que a Idade da Terra e do Homem eram
recentes e
. Que as suas origens mais ou menos
coexistiam no tempo.
Esta última afirmação teve sobre a Antropologia
grandes reflexos. A evolução sócio-cultural do
Homem ficava-se, sobretudo, a dever a motivos
ambientais e exteriores ao Homem.
Sobre esta corrente sobrepôs-se a sua oposta,
defendida ainda no século XVIII, por George
Buffon , James Hutton e insinuada por Kant.
Charles Lyell dá a machadada final na cronologia
biblica com a sua obra Princípios de Geologia.
Estes autores demonstraram que a forma e a
constituição da Terra tinham sofrido uma
evolução desde a sua origem, que a sua idade e a
do Homem eram mais velhas do que as Escrituras
pressupunham e que as origens destas duas
entidades não coincidiam no tempo - o Homem é
bastante mais novo que a Terra.
Consequência para a Antropologia: a evolução
sócio-cultural do Homem ficava a dever-se
somente a este, à evolução das características
geneticamente atribuídas, à sua capacidade
criativa.
ANTROPOLOGIA
Antes de Darwin mantinham-se ideias
evolucionistas e estava-se no auge do
determinismo racial. O estalar da actividade em
Antropologia Cultural, depois de 1860, não foi
provocado por Darwin mas, acompanhou o livro de
Darwin, como produto das mesmas influências
geradoras.
A Antropologia que vai desde o período áureo do
Iluminismo até finais do século XIX passa, em
termos de tema e cientificidade, por três fases,
que podemos, de um modo mais ou menos ténue,
estabelecer os limites.
1ª fase:
1750 - 1800, em que o tema é a Evolução
Unilinear da Humanidade e o método é o
comparativo.
2ª fase.
1800 - 1860, em que o tema é a raça e o método é
o comparativo não aplicado às características
culturais mas sim às características físicas
dos indivíduos.
3ª fase:
1860 - 1ª Guerra Mundial, em que o tema volta a
ser o da evolução unilinear. O método
comparativo continua a ser o usado, no entanto,
possui maior grau de cientificidade.
No período que vai do auge do Iluminismo até ao
princípio do séc. XIX a Antropologia francesa
estava mais desenvolvida do que a britânica,
pois, enquanto ciência do Homem respondia melhor
aos ideais iluministas do que ao espírito
conservador e pragmático que os ingleses lhe
atribuiam.
A Antropologia desta época é evolucionista,
monogenista, ambientalista e comparativista. O
seu tema dominante é a História Natural do
Homem. Procurava-se conhecer a origem, as
migrações e a evolução do Homem. porque os seus
objectivos eram tanto teóricos como
filantrópicos (o seu propósito era conhecer as
causas das condições dos primitivos para os
poder ajudar a atingir a civilização), a
preocupação com o método e o rigor científico é
maior do que na fase que se vai seguir.
Degerando, representante desta fase da
Antropologia Francesa e considerado como
pertencente à 3ª geração dos "ideologues"
teorizou as diversas fases por que devia passar
o estudo e observação dos "primitivos". Primeiro
começava-se por fazer uma observação cuidadosa,
depois analisava-se comparativamente os dados
que recolheramos e por último passava-se às leis
iguais do desenvolvimento humano.
Segundo este autor, é na observação que se deve
ser mais cuidadoso, pois esta obedece a uma
série de requisitos, dos quais o domínio da
língua da sociedade em estudo é o mais
importante. A observação tem que ser
sistemática, isto é, partir das coisas
directamente observáveis, que englobava o meio
físico e as características físicas médias dos
indivíduos dessa sociedade, para chegar até às
mais profundas, como as tradições dessa
sociedade. Estas permitir-lhe-iam reconstituir a
"história misteriosa dessas nações".
No entanto, quando partiam para a observação de
campo ou para a observação indirecta vinculada
pelos informadores, os Antropólogos desta época
possuíam já pressupostos teóricos que queriam
ver confirmados nas observações.
O tema dominante nesta fase é, como se disse, a
evolução unilinear do Homem, a qual,
sintetizando, defendia que este havia surgido
num local determinado (monogenismo) e
depois emigrara para diversas partes da Terra.
Aí, à medida que as condições físicas iam
permitindo (ambientalismo), o homem foi
desenvolvendo as potencialidades físicas,
intelectuais, morais e culturais que traziam no
sangue (unidade psíquica humana). Mas,
como os recursos naturais, nas diversas partes
por onde o Homem se fixou, eram diferentes, umas
sociedades desenvolveram-se mais lentamente do
que outras. A maoir parte delas não chegaram a
atingir o estado de civilização, apesar de este
lhe ser acessível. Para os autores da época só a
sociedade ocidental se poderia qualificar de
civilizada.
No início do séc.XIX assiste-se a uma
transformação radical no seio da Antropologia. O
estudo da evolução unilinear dá lugar ao estudo
da anatomia comparada não-evolucionista, cujo
principal tema era a raça. Cuvier representa bem
esta tradição antropológica que dominou na
França e, também, na Inglaterra, durante a
primeira metade do século.
"Fosse porque método fosse interessava, acima de
tudo, provar que os pretos eram inferiores aos
índios e estes inferiores a nós..." este
constituía um assunto de maior interesse
político e prático.
Os autores desta fase supunham que o Homem
surgiu em diferentes partes do mundo (poligenismo).
Cada grupo humano de maiores proporções era
considerado uma raça. As características físicas
desta não eram determinadas pelo ambiente, mas
pela sua informação genética, inata,
hereditária. Estas, as características,
determinavam a capacidade intelectual , o tipo
de cultura e sociedade. Se numa primeira fase do
determinismo racial os "investigadores" ainda
procuravam determinar as características
físicas, intelectuais e culturais dos povos em
estudo, mais tarde, a partir da cor das raças
deduziam as restantes características.
Os antropólogos desta época davam um relevo
especial às dimensões do crânio - largura,
altura, ângulo facial e capacidade interna do
crânio - e às dimensões do cérebro. Conforme
fossem estas, assim se estabelecia uma
hierarquia de raças. No seguimento de Cuvier e
C.O.Groom, Napeir publicou o seu Quadro de
Raças Humanas e Gratiolet distinguiu 3 raças
baseado nas diferenças cranianas.Na obra destes
autores cada raça era definida por uma
capacidade intelectual própria e uma cultura
determinada.
Se a teoria evolucionista unilinear do fim do
século XVIII, baseada na ideia de unidade
psíquica dava a possibilidade de qualquer povo
ascender à "civilização", ou seja, ao tipo de
cultura e sociedade mais perfeita ou melhor
(segundo eles!), a teoria vitoriana (e
napolitana) da raça não evolucionista só
permitia que este objectivo fosse alcançado por
algumas raças. Mesmo que um negro fosse educado
na cultura ocidental ele nunca poderia adquirir
mais cultura do que aquela que as suas
capacidades físicas e intelectuais lhe
permitissem.
Esquematizando:
1750 1800
1800 - 1860
------------------------------------------------------------------------------------------
Evolucionismo unilinear Anatomia
Comparada não evolucionista
Unidade Psíquica -- Diferentes
características inatas
civilização, estádio
civilização não atingível por todos os povos
atingível por qualquer
povo
---------------------------------------------------------------------------------------------
A que se deveu a mudança de problemática
"Civilização - Raça" como diz Stocking?
Segundo este, num plano político ela teve
a ver com a reacção conservadora contra o
optimismo igualitário da Revolução Francesa
(isto na França, pois na Inglaterra o
conservadorismo político era já antigo), num
plano intelectual resulta da reacção
romântica ao Iluminismo, característica do séc.
XVIII e, num plano social a teoria
vitoriana da raça é a reacção defensora contra
os crescentes protestos dos escravos e dos
negros e, finalmente, num nível económico
ela talvez esteja relacionada com o
desenvolvimento industrial.
Se no século XVIII a ideia de progresso e
igualdade entre os homens ou a ideia do Bom
Selvagem eram conciliáveis, no séc. XIX, o
grande desenvolvimento industrial provocou uma
ruptura entre estas duas noções. Logo, de iguais
passámos a ser diferentes e o progresso, das
mãos de todos passou a estar nas mãos de alguns.
A ANTROPOLOGIA NA GRÃ-BRETANHA E NA FRANÇA A
PARTIR DE MEADOS DO SÉCULO XIX
Em 1859 a Antropologia em França foi remodelada
não em termos de tema mas de método, isto é, a
comparação passou a ser feita tendo como base um
maior número de especimens de cada raça. Deste
modo os "antropólogos" desta época pensavam que
conseguiam obter uma maior cientificidade para a
sua disciplina. A antiga tradição evolucionista
unilinear manteve-se, mas restringida à
Sociedade Etnográfica.
Na Grã-bretanha a Antropologia retomou o rumo
que tinha adquirido, sobretudo, na França do
séc. XVIII, através da tradição iluminista
escocesa, ou seja, o evolucionismo unilinear.
ESQUEMA TEMÁTICO
EVOLUCIONISMO UNILINEAR (CIVILIZAÇÃO)
FRANÇA | INGLATERRA
| |
1750 - 1800 | 1850 - 1ª GUERRA
MUNDIAL
-----------------------------------------------------------------------------
ANATOMIA COMPARADA NÃO-EVOLUCIONISTA (RAÇA)
INGLATERRA E FRANÇA - 1800 - 1850
Alguns historiadores da Antropologia estão
convencidos de que esta adquiriu o seu carácter
de cientificidade por volta de 1860, por via da
adopção "do evolucionismo unilinear" e o método
comparativo da Biologia. Contudo, e como se tem
vindo a demonstrar, tanto o tema da "evolução"
como o método comparativo foram uma constante na
actividade da Antropologia desde o Iluminismo
até 1860.
Então o que aconteceu de diferente na
Antropologia?
Como refere Marvin Harris, "Na realidade o que
produz o período que começa em 1860 é um maior
número de versões da História Universal da
Humanidade ao estilo de Turgot". Além disso,
1860 constitui mais um degrau conquistado, na
gradual preocupação pelo rigor científico desde
a Antropologia Iluminista. Como é que este rigor
foi possível? Quais as suas possíveis origens?
Motivados pelas necessidades de exploração
colonial, na Grã-Bretanha, multiplicaram-se as
Sociedades de Etnologia e as missões que estas
organizavam. Através dos informadores dos
antropólogos de gabinete, começou a afluir uma
maior quantidade, mas também qualidade, de
dados, pois, alguns informadores
especializavam-se em áreas da Antropologia
nestas Sociedades. Simultaneamente, talvez
motivados e influenciados pelo rigor científico
da linguística e da biologia, os antropólogos
começaram a preocupar-se em ilustrar as suas
teorias com um maior número de exemplos. Lewis
Morgan construiu um inquérito que distribuiu por
diversas partes do mundo para obter informações
acerca dos tipos de parantesco existentes nas
diferentes partes do mundo. Edward Burnett Tylor
iniciou o método comparativo de base
estatística. A partir do levantamento das
características culturais dum número suficiente
de povos tidos como pertencentes ao mesmo
estádio de evolução inferem-se as
características culturais desse nível. Essas
características são comparadas e os estádios de
evolução são finalmente hierarquizados por ordem
cronológica e de desenvol-vimento.
No entanto, este acréscimo de informação não
trouxe uma ruptura ao nível de cientificidade
das teorias antropológicas, pois, baseava-se em
bases pouco sólidas - o método comparativo. Este
pressupunha que as diversas sociedades
"primitivas" conhecidas eram a imagem da
evolução bio-sócio-cultural do Homem que se
tinha dado à muitos milhares de anos. As "mais
simples" (segundo a sua terminologia)
representavam os primeiros estádios de evolução
e por aí adiante até chegarmos ao Homem
civilizado, que seria a representação perfeita
do objectivo que qualquer sociedade humana
tentava alcançar.
A abundância de exemplos veio, pelo contrário,
encorajar a continuação dos estudos aplicados à
evolução, na convicção de que estes agora iriam
fazer-se sobre bases mais sólidas. Pensando que
estavam a dar mais con-sistência científica à
Etnologia, a acumulação de exemplos agravou o
problema.
A verdadeira ruptura, no rigor científico, vai
dar-se com a prática sistemática do trabalho de
campo, ou seja, com Franz Boas.
LEWIS HENRY MORGAN
(1818 - 1881)
Dos evolucionistas, Morgan, foi aquele cujas
ideias tiveram maior difusão. Morgan exerceu uma
influência considerável no trabalho de Marx e
Engels.
Ancient Society,
mais do que qualquer outra obra, abordou todos
os problemas relacionados com o parentesco. A
sua importante descoberta foi a "nomenclatura
classificatória". Estimulado por esta revelação
Morgan empreendeu uma interpretação da evolução
do parentesco combinando, com uma certa
objectividade, o trabalho de campo e os dados
históricos.
A carreira etnológica de Morgan teve o seu
início quando, ainda a frequentar o curso de
Direito (década de 40), se interessou pelos
Iroqueses. A paixão por este povo foi de tal
modo profunda que conseguiu transformar a
sociedade secreta (a Grande Ordem dos Iroqueses)
que ele, juntamente com um grupo de adolescentes
formavam, numa instituição com objectivos mais
científicos e menos românticos. Os seus
propósitos eram: estudar, educar e defender os
índios das injustiças praticadas sobre eles.
Concretamente, a sociedade de Morgan deu apoio
financeiro à defesa dos iroqueses para com
proprietários que os queriam desertar. Em
reconhecimento deste acto, Morgan foi convidado
a ser membro honorário da organização Seneca.
Sendo amigo de um índio, a penetração na
comunidade iroquesa tornou-se mais facilitada.
Da observação e vivência com a tribo Seneca,
resultou uma obra The League of the
Ho-dé-no-sau ou Iroquois, a qual constitui a
1ª monografia de uma comunidade baseada numa
experiência de campo, a 1ª descrição científica
sobre uma etnia.
Em 1856 Morgan voltou a estudar a mesma tribo
iroquesa, no entanto, sob o ponto de vista da
designação dos parentes. Mais tarde, deslocou-se
até aos índios Ojibway que viviam em Marqueltle,
Michigan, e verificou que estes possuíam o mesmo
sistema terminológico que os Iroqueses. Após
esta constatação Morgan pensou que, se se
verifica-se na Ásia o mesmo tipo de sistema de
parentesco, poder-se-ia demonstrar a origem
asiática dos índios americanos. Tendo em vista
este objectivo, Morgan desenvolveu um amplo
programa de investigações de campo (estudou
cerca de 70 tribos), elaborando um inquérito,
que fez dis-tribuir, que se destinava,
especialmente, aos povos asiáticos.
A obra Systems of Consanguinity and Affinity
of the Human Family (1871) constitui o
resultado deste esforço.
Nesta, o autor põe em relevo a dicotomia entre o
sistema classificatório e o sistema descritivo,
aquele típico dos primitivos e este
característico das sociedades actuais.
O mais importante na sua interpretação das
terminologias relativas ao parentesco é, no
entanto, o facto de ela ter levado Morgan a
formular uma teoria geral da evolução social,
sintetizada em Ancient Society. Esta é
dividida em quatro partes dizendo respeito,
respectivamente:
I - Desenvolvimento da inteligência através dos
inventos e descobrimentos;
II - Desenvolvimento do conceito de governo;
III - Desenvolvimento do conceito de família;
IV - Desenvolvimento do conceito de propriedade.
Na primeira parte, Morgan faz um desenvolvimento
da evolução humana sob o ponto de vista
económico, isto é, dos processos e das técnicas
que foram aparecendo e que deram origem à
crescente melhoria das condições de vida, às
diferentes etapas da vida económica das
sociedades. Segundo o mesmo autor, toda a
humanidade passou, primeiramente, por uma fase
de recolecção de frutos e raízes,
posteriormente, alimentou-se à base do produto
obtido através da pesca e da caça, em seguida
assentou a sua economia na cultura dos
farináceos (cultivados em hortas), mais tarde,
na pastorícia e por último dedicou-se,
fundamentalmente, à agricultura (em campo
aberto), propocionando-lhe. esta, uma quantidade
ilimitada de recursos.
Quanto ao conceito de governo, desenvolvido na
segunda parte da obra em questão, este assistiu,
igualmente, a uma evolução, que inclui três
fases. Na primeira, a organização das sociedades
humanas baseava-se em classes sexuais. Esta dá
lugar a uma segunda, cujos indivíduos se
agrupavam em gens ou clãs, fratrias e tribos. A
gens ou clã constitui um grupo de pessoas
ligadas por laços de consanguinidade, uma
instituição exogâmica de filiação unilinear e
base da organização política, a qual funcionava
democraticamente. A gens evoluiu da descendência
matrilinear para a patrilinear, isto é, se
inicialmente, a gens englobava o antepassado
feminino mais as suas descendentes e as filhas
destas, mais tarde, por gens considerava-se o
antepassado, os seus descendentes, mais os
filhos varões deste.
A fratria constitui uma associação de clãs que
possuem sobretudo funções religiosas e a tribo é
um grupo de fratrias que comungam de uma mesma
língua e de um mesmo território e que realiza
tarefas de cariz político.
A organização política baseada nas relações
pessoais dá lugar a uma terceira forma de
governo cujas relações são determinadas pela
vinculação das pessoas a um território: cidade,
distrito ou nação.
Na terceira parte da sua obra principal, Morgan
desenvolve a evolução da família, instituição
esta cuja forma mais arcaica foi a família
consanguínea e a qual resultou do casamento
entre irmãos (endogamia, incesto). A família
punalua substitui a primeira e é o produto do
casamento de um grupo de irmãos com cada uma das
mulheres dos outros e do casamento de um grupo
de irmãs com cada um dos maridos das outras. As
mesmas leis estendiam-se às mulheres e aos
homens dos primos, pois estes eram considerados
irmãos. Nesta fase existiam apenas regras
negativas de casamento, isto é, os indivíduos
apenas eram obrigados a não casar com as suas
irmãs ou irmãos. Logo, organizavam-se em grupos
exogâmicos (quer isto dizer, em cada geração uma
pessoa tem de desposar um elemento de outro
grupo). Foi nesta fase punalua que se geraram os
clãs.
Na família sindiásmica dá-se o acasalamento de
um homem com uma mulher, no entanto, estes não
possuem coabitação exclusiva. Aqui, mantêm-se o
sistema de filiação matrilinear. Sucede-se a
família patriarcal a qual se fundava no
acasalamento de um homem com várias mulheres,
dando-se por consequência a mudança de filiação
matri para patrilinear. Por último, vem a
família monogâmica nuclear, que se baseia no
casamento de um só homem com uma só mulher
coabitando juntos.
Para encerrar Ancient Society, Morgan
debruçou-se sobre a evolução da noção de
propriedade.
No estado selvagem o homem possuia um número
insignificante de objectos, por isso as suas
noções sobre propriedade, seu valor e modo de
transmissão eram muito vagas, senão mesmo nulas.
Os indivíduos tinham posse exclusiva sobre os
seus instrumentos de trabalho, de defesa e sobre
as suas poucas roupas. A terra era possuida
colectivamente pela totalidade dos membros da
tribo. Não havia herança, pois os objectos mais
valiosos do indivíduo eram depositados no túmulo
do defunto, a quem tinham pertencido. Quando,
ainda no período selvagem, se formou a
organização gentílica, apareceu a primeira regra
relativa à herança, a qual postulava que os bens
do defunto eram repartidos entre os seus
parentes clãnicos.
O gradual aumento de recursos fez com que a
quantidade e variedade de bens possuídos pelos
indivíduos fossem aumentando. Todavia, estes
ainda não eram suficientes para que se
atribuisse uma grande importância à herança. De
qualquer forma, na fase inicial da barbárie,
começou a delinear-se uma segunda regra de
transmissão, regra esta que estabelecia como
herdeiros os parentes agnáticos (descendência
por linha masculina) com exclusão dos restantes
parentes gentílicos.
À medida que os bens pessoais aumentam a
relação do homem com a terra vai-se alterando.
Durante a fase média da barbárie, o domínio
territorial era ainda propriedade indivisa da
tribo, mas uma parte estava agora reservada ao
sustento do governo, uma outra para fins
relacionados com o culto e uma terceira para a
subsistência das diversas gens.
A fase superior da barbárie caracteriza-se pela
constituição de duas formas de propriedade: a
propriedade do estado e a propriedade
individual, contudo, estas não iliminaram, por
completo, a propriedade colectiva. A gens e a
tribo continuaram a possuir vastos territórios.
Ainda nesta fase, delineou-se uma nova regra de
transmissão, a qual previa três categorias de
herdeiros: em 1º lugar, os filhos do defunto
(preferencialmente os varões), em 2º lugar, os
agnatos, por ordem de proximidade e, por último,
os parentes gentílicos. Nesta fase ainda
aparecem as primeiras disposições
testamentárias.
Com o advento da civilização a propriedade
individual ultrapassou largamente a propriedade
colectiva, assumindo múltiplas formas e foi alvo
de uma exploração intensa e variada.
Apesar de ter descrito isoladamente a evolução
de cada um dos aspectos da sociedade, Morgan,
concebia-as antes como interligadas, como
causando-se mutuamente. Nesta medida, ele fez um
esforço para associar os estádios de cada uma
das evoluções com os outros. Assim, o matrimónio
de grupo, na selvajaria, estava ligado à
terminologia classificatória, pois sendo
impossível identificar o pai, daí que Ego
chamava pai a todos os possíveis pais.
A conexão que Tylor desenvolveu entre este nível
da realidade e a tecnologia é vaga. Da proibição
do casamento entre irmãos resultou a família
punalua (forma de casamento em grupo), que
desenvolveu toda uma transformação ao nível da
terminologia do parentesco. A mesma proibição
causou um aumento da capacidade intelectual, a
qual contribuiu para o melhoramento da
tecnologia e o desenvolvimento das artes de
subsistência, as quais permitiram o crescimento
da propriedade privada e o sentido de posse da
mesma. Deste facto, resultou um deslocamento da
filiação de matri para patrilinear e a
constituição da sociedade política em detrimento
da organização gentílica.
Morgan utiliza duas teorias sobre a evolução:
uma idealista e outra materialista. De acordo
com a primeira, as instituições são o produto do
pensamento humano. A segunda teoria defendia
que, na base da evolução estavam factores
exteriores ao homem, tais como factores
ecológicos e tecnológicos: "os grupos semita
ariano devem ter começado a diferenciar-se da
massa dos povos barbáros com a domesticação de
animais" (p. 34, Sociedade Primitiva).
Para este autor enquanto os factores psíquicos
explicam as recorrências, as similitudes, os
factores externos explicam as diferenças, os
desníveis entre as diversas culturas.
Para Morgan todas as culturas possuem um
projecto de desenvolvimento idêntico que é
concretizado pelas diferentes culturas mais ou
menos depressa consoante as condições naturais
do território.
É evidente que esta característica (simultaneadade
da explicação materialista e idealista)
constitui uma contradição, pois se a evolução é
considerada como resultante de um projecto
teleonómico ela não pode ser , ao mesmo tempo,
entendida como o produto de factores de ordem
arbitrária como os geográficos.
Morgan dividiu o caminho percorrido pela
Humanidade, caminho esse que considerava
unitário (uno, igual para todas as sociedades),
em três estádios: selvajaria, barbárie e
civilização, cada estádio subdividia-se em 3
períodos: superior, médio e inferior. O início
de cada um deles era marcado por uma importante
invenção.
Morgan, como qualquer evolucionista da época não
fugiu à regra, justificou a teoria unilinear da
evolução através do conceito de "unidade
psíquica humana", segundo a qual todo o homem
possui as mesmas necessidades, reparte as mesmas
pulsões e persegue os mesmos fins.
CRÍTICAS:
Consanguinity and affinity
é válida não só pelo esforço demonstrado na
apreensão e análise dos sistemas de parentesco,
mas sobretudo, pela suposição básica e, ainda
hoje em vigor, que as terminologias de
parentesco reflectem as diferentes formas
familiares e de organização social.
Ancient Society
constitui uma tentativa científica de dar conta
da origem e evolução da espécie humana. Este
projecto falha, no entanto, em alguns pontos:
- Morgan não hesita em extrapolar (generalizar
abusivamente) os exemplos, para dar validade aos
esquemas que, à priori, formulou;
- acumular um elevado número de dados com o fim
de ultrapassar as deficiências de recolha e
fundamentar pressupostos à partida falsos, tais
como a equivalência entre os primitivos e os
"selvagens" ancestrais e, para finalizar
- É incapaz de estabelecer uma conexão coerente
entre os parâmetros tecno-económicos e a
estrutura social, facto que revela uma
subestimação da complexidade social.
Na mesma obra é de salientar, contudo, aspectos
positivos, tal como considerar fenómenos de
ordem material (tecno-económicos) como motores
da evolução.
JOHN FERGUSON MACLENNAN
(1827 - 1881)
O esquema de MacLennan sobre a evolução do
parentesco e da organização social, foi o que
mais concorreu com o de Morgan. Mac Lennan, tal
como Maine e Bachofen, era advogado. A sua
primeira obra foi Primitive Marriage
(1865). Nesta, Mac Lennan expressa já críticas
às posições tomadas por Morgan.
MacLennan tomou como ponto de partida certos
aspectos rituais do casamento por rapto, o qual,
parecia-lhe, largamente difundido pelo mundo.
Este fenómeno cultural sugeriu-lhe uma hipótese
de evolução humana.
A sequência evolutiva do autor de Primitive
Marriage implicava divisões progressivas na
estrutura social formando uma teia cada vez mais
complexa. Este desenvolvimento pode ser descrito
em termos da distinção de duas regras de
matrimónio. Se nos primórdios da humanidade o
indivíduo escolheu a parceira fora do seu grupo,
por razões que mais tarde focaremos,
posteriormente, ele passou a seleccionar uma
mulher dentro do seu agrupamento.
A Humanidade, inicalmente, vivia em hordas onde
não haviam regras matrimoniais. Nesta altura,
face à dureza das condições de vida e à grande
luta pela existência teve que recorrer-se ao
infanticídio das raparigas, as quais constituiam
mais um encargo do que uma fonte de rendimentos.
Com o tempo, este facto gerou uma escassez de
mulheres adultas, que tentou ser superada com a
captura de mulheres das hordas vizinhas.
Este facto acidental acabou por tornar-se num
hábito dando origem à exogamia. O rapto de
mulheres iniciou também o seu processo de
passagem da poliandria (uma mulher para vários
homens) para a poliginia (uma mulher para um só
homem) pois, vários homens, sendo bem sucedidos,
conseguiam apoderar-se de um grupo de mulheres.
Esta mudança aliada à elevação de importância da
propriedade privada (resultante do aumento dos
recursos) - a propriedade legitima a quantidade
de mulheres que possui - conduziu à substituição
da filiação matrilinear (o homem já possui terra
para legitimar o facto de querer pôr o seu nome
ao filho). A mesma causa provocou também a
restrição das relações de parentesco à família
nuclear em favor das relações do poder, isto é,
a transferência de uma sociedade baseada no
parentesco para outra assente no Estado.
No seio familiar assitiu-se, simultaneamente, ao
abandono da exogamia, em favor da endogamia na
medida em que, com a complexificação social, o
indivíduo não necessita mais de recorrer a um
grupo diferente do seu, bastando-lhe escolher
uma mulher pertencente a um subgrupo do seu
próprio grupo.
Em publicações posteriores, entre as quais
Studies in Ancient Society (1872) Mac Lennan
baseou-se em princípios diferentes, a saber: que
a filiação matrilinear seria anterior à captura
de mulheres e à exogamia.
CRÍTICAS:
MacLennan incorre em todos os erros
característicos dos evolucionistas:
- Foi o primeiro a utilizar os conceitos de
exogamia e endogamia, os quais, a partir desse
momento, entraram no vocabulário antropológico;
- Da utilização destes dois termos resultou o
começo da discussão sobre a proibição universal
do incesto.
JOHANN JAKOB BACHOFEN
(1815 - 1887)
Bachofen nasceu na Basileia, Suíça. Estudou
Direito na universidade de Berlim, onde conheceu
Savigny, autor que muito o influeniou.
Este jurista ficou conhecido sobretudo pelas
suas posições evolucionistas a respeito do
parentesco, no entanto, os seus trabalhos
concernem também o simbolismo e a religião.
Na sua primeira obra Ensaio sobre o ANtigo
Simbolismo da Sepultura (1859). Bachofen ao
analisar as alegorias míticas das pinturas e das
esculturas dos antigos túmulos, tenta encontrar
o melhor método de interpretação simbólica ou,
apreender o sentido através do seu uso ou
através de mitos e lendas ligados a eles.
No seu trabalho sobre direito materno Das
Mutterrecht (1861), tenta fazer uma
história científica sobre a Humanidade,
interpretando-a como uma luta pelo equilíbrio
entre o homem e a mulher. É sob a mesma
perspectiva que Bachofen explica a luta de
culturas, isto é, segundo um princípio
masculino/feminino.
De acordo com o mesmo autor, as sociedades
evoluem de formas mais elementares, mais ligadas
à natureza para formas mais racionalizadas, isto
é, de um tipo de sociedade onde a mulher e o
espírito feminino têm um papel preponderante
para outro onde o homem e o espírito masculino
dominam.
Bachofen, concretamente, supôs que houve um
período inicial de promiscuidade sexual (não há
leis de acasalamento) onde, por isso, apenas se
podia determinar a filiação matrilinear. A este
estádio sucede-lhe o matriarcado onde, não só a
mulher atribui o nome ao seu filho como assume
um papel dominante - posição de chefia. Neste
período, reforça-se o laço mãe-filho e
institucionaliza-se o culto de certas divindades
femininas. Porém, os homens não estão bem,
sentem-se subjugados, pois, eles foram feitos
para mandar sobre as mulheres - princípio de
dominância masculina. O matriarcado é, assim,
substituído pelo patriarcado, o qual traz
consigo não só a filiação patrilinear como
também novos princípios de vida e de religião.
Em 1870 publica O Mito de Tamaquil, onde
desenvolve a sua teoria das religiões
primitivas. Para Bachofen a organização social
tinha um fundamento religioso - os mitos ditavam
as normas de conduta dos indivíduos. No processo
de apreensão das ideias religiosas, subjacentes
a cada estádio da evolução familiar, Bachofen
constituiu a teoria acima citada. A religião
primitiva é básica na medida em que contém todas
as características essenciais, elementares de
uma religião. Ela possui a mesma estrutura
interna expressa-se por meio de mitos, à
semelhança das suas congéneres, e os seus ritos
são, igualmente, a representação dos mitos.
CRÍTICAS:
O contributo do seu trabalho não está nas
especulações românticas acerca da evolução, mas
na sua tentativa de definição de conceitos como
matriarcado, patriarcado e religião.
EDWARD BURNETT TYLOR
(1832 - 1917)
E.B. Tylor constitui o expoente máximo da
Antropologia Britânica da altura - segunda
metade do século XIX - e do evolucionismo
unilinear, se bem que anuncie grande parte dos
desenvolvimentos posteriores.
Tylor foi o primeiro a aplicar a palavra
"Antropologia" ao estudo da cultura e da
sociedade e não ao estudo físico do homem como
se fazia até então. Ele foi, igualmente, o
primeiro a nomear-se, a si próprio, de
"antropólogo" e, foi ele também, o primeiro
antropólogo da universidade de Oxford.
Deixou os estudos aos 16 anos para se dedicar
aos negócios da família - o seu pai era um
burguês muito bem sucedido.
O seu encontro com a Antropologia foi acidental,
mas com sucesso, na medida em que, logo dirigiu
a sua atenção para a cultura. Um pouco mais
tarde, foi ao México, onde foi confrontado com
práticas e crenças de tal modo diferentes das
suas que, ao regressar, é impelido a escrever um
livro sobre o que viu e as experiências por que
passou - Anahuac, or Mexico and the Mexicans,
Ancient and Modern (1861). Apesar de ter o
caracter mais de guia turístico do que de estudo
sobre aquela área geográfica, Tylor revela a sua
abertura para com os assuntos relacionados com a
Antropologia.
Na sequência desta paixão, Tylor, nos 4 anos
seguintes, leu tudo sobre sociedades primitivas.
Da leitura resultou o livro Researches in to
the Early History of Mankind (1865), Numa
fase posterior da sua vida, enquanto estudioso
de Antropologia escreve Primitive Culture
(1871) a qual constitui, na sua grande parte,
uma análise ao animismo e à evolução das formas
religiosas. Em 1881 publica Anthropology,
onde não faz mais do que repetir as ideias que
já havia expresso nas suas obras anteriores.
Tanto em Researches como em Primitive
Culture Tylor revela ser tão evolucionista
quanto difusionista. Tylor constitui um
evolucionista moderado, na medida em que evita
sequências evolutivas rígidas (na mesma altura,
segundo Tylor começou a crer-se na existência de
vários tipos diferentes de crenças animistas).
Por outro lado, respeitou e compreendeu a
importância dos fenómenos de difusão, para
explicar as similitudes ou paralelismos de
carácter cultural.
Nos mesmos dois livros Tylor desenvolveu um
conceito de cultura, no entanto, algo paradoxal:
se por um lado, a origem das instituições e das
crenças tem de ser encontrada nos mecanismos
racionais dos indivíduos, por outro, elas
impõem-se aos homens pela tradição, isto é, a
razão da origem é o pensamento humano, mas a
razão da conservação é a tradição. Por exemplo,
a origem do animismo fundamenta-se na vivência
da alma através do sonho. Esta vivência dá
origem à crença na alma e em seres espirituais.
Mais tarde ela desliga-se desta experiência e
impõe-se pela força da tradição.
TEORIA DO ANIMISMO
Para Tylor toda a instituição tinha um sentido.
Sentido este que se poderia ir buscar às
necessidades do Homem, por isso seria um sentido
utilitário. Nesta perspectiva a religião teria
como razão de existir a necessidade do homem se
explicar a si e a certos fenómenos, como a vida
e a morte.
Tylor não afirma explicitamente que o animismo
foi a religião mais primitiva mas insinua
dizendo: "o animismo caracteriza tribos situadas
muito abaixo na escala da humanidade (...). O
animismo é, de facto, o fundamento da filosofia
da religião (...)" (p.426, Primitive Culture).
Tylor dividiu o animismo em dois grandes grupos
de crenças: a crença em espíritos de pessoas -
almas - e a crença em seres espirituais. Nos
capítulos dedicados ao animismo Tylor dedica-se
a descrever os estágios de desenvolvimento de
cada aspecto da crença, fundamentando com uma
boa base etnográfica.
Tylor debruçou-se, igualmente, sobre a
organização social e o parentesco, embora menos
intensivamente. On the Method of
Investigating the Development of Institutions,
applied to laws of marriage and descent,
sintetiza o estudo feito às componentes
familiares de diversas culturas, o qual
ultrapassa os melhores esforços sociológicos de
Morgan. Neste artigo Tylor revela, à semelhança
de outros evolucionistas, a incapacidade de
estabelecer a interligação entre os diversos
aspectos da realidade e as transformações
ocorridas nos diferentes campos da cultura.
Tylor utilizou como base da sua investigação o
método comparativo, contudo, ele foi prudente na
sua aplicação. Para ultrapassar os problemas
decorrentes da precaridade das informações o
autor desenvolveu todo um trabalho prévio de
selecção e crítica das fontes. Construiu,
simultaneamente, um método estatístico que
permite averiguar até que ponto dois fenómenos
estão ligados por uma relação de causalidade ou
se, pelo contrário, a sua ocorrência simultânea
é acidental. Este trabalho metodológico foi
sintetizado na obra atrás citada. Segundo Paul
Mercier, "com esta investigação o método
antropológico entra realmente na idade adulta".
Tylor foi, igualmente, o primeiro a utilizar uma
noção relacionada com o método comparativo -
survival. Em Primitive Culture dedica
dois capítulos a explicitar aquilo que entende
por "survival". Survivals são certos
fenómenos que tiveram origem num conjunto de
condições passadas e que se perpetuam por um
período em que estas deixaram de se verificar.
A mente, ou a razão humana, "forma" certas
instituições para responder às necessidades do
homem, mas até certo ponto, embora estas
instituições já não sejam úteis (porque as
necessidades deixam de se fazer sentir) elas
mantêm-se pela força da tradição,
constituindo-se em sobrevivências. Os
survivals constituem um obstáculo ao
pensamento, um perigo para a vitalidade das
sociedades, das culturas. Portanto, para Tylor
survivals são traços relativamente inúteis.
Apesar de ter constituído uma teoria das
sobrevivências, não deu nenhum exemplo de
instituições progressistas e/ou retardadoras,
ou survivals, porque a prática não permitiria
que se estabelece essa dicotomia. Certas
instituições antigas podem manter-se cumprindo
funções diferentes daquelas para que foram
formadas.
Associado ao conceito de survival está o
de função, o qual Tylor adoptou em
detrimento do conceito metafísico de "causa".
CRÍTICAS:
As opiniões acerca do tributo deixado por Tylor
diferem substancialmente.
Enquanto Paul Mercier considera a sua obra quase
completa tanto sob o ponto de vista temático
como metodológico, Marvin Harris e Murray Leaf,
por exemplo, apontam-lhe defeitos cruciais. O
autor de A História das Culturas
condena-o por se interessar apenas pelos
aspectos cognitivos da religião. Leaf aponta-lhe
o facto de ver o animismo não como um sistema de
comunicação, onde o indivíduo codifica a sua
imagem do mundo e das suas relações com este,
mas apenas como uma forma relativamente primária
de religião.
Autores posteriores, como Franz Boas, vão beber
muitas das suas influências a E. B. Tylor.
FRANZ BOAS
(1858 - 1942)
A obra de Boas caracteriza-se essencialmente
por:
- Evitação de qualquer síntese teórica;
- Insistência na compreensão das
culturas baseando-se no contexto histórico das
mesmas;
- Circunscrição no palno da cultura.
O trabalho desenvolvido por Boas é o resultado,
por um lado, da sua formação e, por outro, do
contexto académico da época (aliás, como o de
todos os autores).
A formação de Franz Boas no seio das ciências
naturais - ele licenciou-se em Geografia -
familiarizou-o com uma atitude empirista, isto
é, com uma preocupação de, antes de tudo,
observar e descrever e só depois comparar,
induzir e generalizar. No entanto, do método das
ciências naturais ele não fez uso destas três
últimas fases pois, ao longo da sua vida foi
crescendo a convicção que, em ciências sociais
seria impossível realizar conclusões, Do
contrário tinham estado convencidos os
evolucionistas. Lewis Morgan, Herbert Spencer
entre outros, colocavam a necessidade de se
encontrar regularidades na história das
culturas antes de observar a realidade, facto
que deu origem a um conjunto de teorias bastante
imaginativas, mas pouco rigorosas, em termos
científicos.
Devido por um lado, a uma vontade explícita de
se destacar das teorias evolucionistas e, por
outro, ao espírito de observação, que lhe foi
incutido ao longo da sua vida escolar e
académica, Boas colocou uma precisão e devoção,
sem precedentes, na reconstituição dos dados, na
reprodução dos factos. esta obcessão fez com que
os seus textos constituíssem apenas descrições,
muitas vezes exaustivas, em detrimento de
qualquer generalização, ainda que provisória ou
de alcance restrito.
Franz Boas não foi um anti-evolucionista. Desde
o início da sua carreira como antropólogo,
defendeu que o objectivo último da antropologia
seria o de encontrar leis que regessem a
história das sociedades. Todavia, este não se
poderia sobrepor à realidade, facto que até à
sua época se tinha verificado. Para não se cair
no apriorismo, característico dos esquemas
evolutivos, dever-se-ia:
1º estudar as histórias das diversas culturas;
2º comparar essas histórias de desenvolvimento;
3º formular leis.
À medida que foi empreendendo mais e mais
pesquisas, foi crescendo a convicção de que a
busca de regularidades entre as histórias das
várias culturas estava condenada ao fracasso.
Este facto fez com que Boas direccionasse,
gradualmente, o seu trabalho não no sentido de
estabelecer leis de desenvolvimento da
humanidade, mas no sentido de reconstituir, o
mais exaustivamente possível, as sequências
históricas particulares, razão pela qual se
designa o conjunto dos trabalhos realizados por
Boas de Particularismo Histórico. Esta
posição não se baseia tanto numa constatação de
facto, feita a partir da análise de dados
empíricos, mas mais de uma obsessão contra toda
e qualquer síntese generalizadora. Do pormenor
torna-se difícil a apreensão de generalizações
sobre o que quer que seja.
Porém, o seu esforço de reconstituição
histórica, sobretudo entre os Kwakiutl, não
permitiu que Boas desse uma imagem completa dos
diversos aspectos das culturas sobre as quais se
debruçou, na medida em que aquele trabalho se
baseou, muitas vezes, em provas muito pouco
rigorosas em termos científicos.
Da análise dos textos de Boas verifica-se também
que este autor circunscreveu a análise dos
fenómenos sociais ao campo sócio-cultural,
relegando os aspectos demográficos e económicos
- a maior determinante da cultura é a própria
cultura. Este estreitamento de perspectiva
reforçou os efeitos provocados pela deficiente
aproximação histórica, ou seja, a ausência de
uma perspectiva globalizante e totalizante dos
referidos fenómenos. Esta focalização na cultura
constituiu mais uma reacção extremista a certos
reducionismos realizados pelos seus
predecessores, como o determinismo geográfico,
biológico (determinação dos traços culturais
através da raça) e psicológico (os
evolucionistas, a certa altura julgaram que as
regularidades encontradas entre as diversas
culturas se deviam à unidade da mente humana).
Mais tarde, em 1968(?), Stuart Piddocke, toma um
dos temas mais queridos de Boas - o Potlatch -
e, munido de uma perspectiva mais globalizante,
dá à cerimónia uma (re)interpretação bastante
distinta da que fez Franz Boas.
Concluindo, de qualquer modo, exacerbando ou
não, Boas deu um grande contributo, na medida em
que, a partir da sua militância por uma
antropologia objectiva, já não houve quem, pelos
menos de consciência tranquila, tenha realizado
um trabalho sem se basear nos factos. Por outro
lado, o seu enfoque na cultura permitiu que mais
uma vez, daí em diante esta fosse muito mais
valorizada, enquanto factor explicativo da
realidade social.
Franz Boas deixou uma série de discípulos, isto
é indivíduos que se filiaram nas suas ideias,
como por exemplo Margaret Mead, Ruth Benedict,
Robert Lowie, Kroeber, Wissler, Sapir, Klu e
Kholn e Herskovits, entre outros.
DIFUSIONISMO
O difusionismo desenvolveu-se como reacção ao
evolucionismo. A perspectiva proposta por esta
corrente foi seguida por três escolas, em
especial:
. A escola americana
. A escola histórico-cultural alemã e a
. A escola hiper-difusionista inglesa.
Em todas elas manteve-se a problemática do
desenvolvimento das culturas, no entanto, esta
vai ser conceptualizada de uma outra forma.
segundo os difusionistas, a evolução cultural
resulta dos contactos, relações que as etnias
mantêm entre si no decurso dos seus movimentos,
das suas migrações. Deste postulado decorre
outro, segundo o qual a história de cada cultura
é única, isto é, as combinações que se dão no
seu seio não se repetirão em mais nenhum lado.
Por outro lado, supõe-se que uma cultura se
desloca inteiramente e não apenas alguns dos
seus elementos - integração cultural.
A concepção difusionista da história é pouco
elogiosa para a condição humana, pois, pressupõe
uma fraca capacidade inventiva dos indivíduos.
A escola americana, assim como a alemã, nasceu
nos museus, a partir do trabalho de análise e de
classificação museográficas e na sequência da
importância atribuída por Franz Boas à história
cultural - isto é, nos museus era necessário
arranjar critérios que permitissem organizar as
peças. Na impossibilidade de utilizar os
parâmetros evolucionistas arranjaram-se outros
que buscaram inspiração no trabalho realizado
por Boas. Visto que todos os autores desta
corrente foram influenciados, directa ou
indirectamente, por Franz Boas, ela apresenta
uma grande homogeneidade.
O conceito chave desta escola foi o de área
cultural. Todos os autores americanos deram
uma interpretação pessoal a este conceito,
contudo, todos concordam que designa uma série
de elementos associados, constituindo um todo
susceptível de se deslocar de um grupo humano
para outro. A debilidade deste conceito resulta
do facto de ser de ordem mais geográfica do que
cultural. Se, de qualquer forma a sua aplicação
aos E.U.A. resultou foi porque, aqui, as áreas
culturais coincidem com as regiões geográficas.
A utilização do mesmo conceito em outras
regiões, nomeadamente em África não resultou tão
frutiferamente.
No seio da Antropologia académica os principais
difusionistas constituiram-se num grupo
intimamente ligado a Boas: Clark Wissler, A.L.
Kroeber, Robert Lowie, entre outros.
CLARK WISSLER
(1870 - 1947)
Wissler deu às ideias sobre a difusão cultural o
caracter de corrente, organizando-as e
exacerbando-as, isto é, transformou a difusão de
um fenómeno possível para um fenómeno exclusivo
da explicação da realidade.
Wissler tentou aperfeiçoar e concretizar melhor
a noção de área cultural, considerando a
existência de um centro no qual se concentram os
traços culturais e de uma lei de difusão que
postula que os traços antropológicos tendem a
difundir-se desde os seus centros de origem em
todas as direcções, diminuindo a sua frequência
e misturando-se cada vez mais com traços
característicos das áreas culturais vizinhas.
Após ter participado numa pesquisa colectiva
sobre a difusão do cavalo pelo centro dos
Estados Unidos e o seu impacto sobre a cultura
do índio (da qual saiu a sua primeira reflexão
sobre o Índio Americano, em 1920, onde
define áreas culturais de um modo preciso),
Wissler desenvolverá os princípios do método
difusionistas em Man and Culture (1923).
Estes irão ser aplicados às tribos ameríndias na
sua obra The relation of Nature to Man in
Aboriginal America (1926).
Wissler propôs, também, a noção de área
temporal, a qual implica a existência de uma
relação entre a posição no espaço e a posição no
tempo dos traços culturais - os elementos
localizados na periferia do círculo serão mais
antigos do que os do centro do mesmo. Esta
dicotomia peca na medida em que não tem em conta
a desigualdade de ritmos de difusão, nem a
existência dos survivals, noção também de
caracter difusionista, que designa um elemento
ou um conjunto de elementos que evocam um ciclo
cultural já desaparecido.
ALFRED LOUIS KROEBER
(1876 - 1960)
Kroeber inicou a sua carreira académica tirando
a licenciatura de inglês, facto que influenciará
muito o seu trabalho posterior e que lhe trará
uma condição, unanimemente, reconhecida.
Doutorou-se na universidade de Columbia e mais
tarde foi trabalhar para o Departamento de
Antropologia de Berkeley, Califórnia, onde
imprimiu uma orientação difusionista aos
levantamentos de elementos culturais efectuados
por esta instituição.
A obra de Koreber foi baseada, igualmente, em
pressupostos e conceitos difusionistas
nomeadamente na noção de área cultural, o que
nos testemunha o título do seu livro Cultural
and Natural areas of Native North America. O
autor desta obra tentava definir áreas culturais
em termos de listas completas de traços
culturais.
Em The Nature
of Culture,
Kroeber desenvolve uma concepção de cultura
bastante bem sucedida. Para este autor a cultura
tem um carácter supra-individual, superorgânico
na medida em que ultrapassa o que o indivíduo
pode dominar e obedece a leis próprias.
Apesar de visivelmente difusionista Kroeber
debruçou-se sobre a complexidade do processo
inventivo afastando-o de abordagens posteriores
simplistas. Não se pode negar que, perante
certas circunstâncias estamos em face de
invenções. No entanto, os contactos são muito
importantes para que o processo criativo dê -
quantos mais contactos uma cultura estabelecer
com outras, maior é a sua capacidade inventiva.
ROBERT M. LOWIE
(1883 - 1957)
Lowie não só foi discípulo de Boas como
trabalhou para Wissler, ainda como estudante, no
Museu Americano, onde permaneceu, mesmo depois
de tirar o doutoramento, como
conservador-assistente.
Lowie imprimiu um cunho difusionista à sua obra,
tanto ou mais quanto Kroeber o fez. Ele
acreditava que a difusão constituía a chave de
explicação das diferenças e semelhanças entre as
culturas e que o homem possuía uma fraquíssima
capacidade inventiva.
A obra de Lowie inside sobre um vasto leque de
assuntos que vão desde o parentesco à história
da Antropologia passando pela religião.
Primitive Society
constitui por um lado, uma crítica às teses
desenvolvidas por Morgan em Ancient Society
e, por outro, o lugar onde expõe as suas
hipóteses relativamente ao parentesco. Neste
livro, Lowie desenvolve uma classificação em 4
níveis dos termos de parentes, a qual aponta
para a relação que existe entre o parentesco e a
estrutura social, tema que foi desenvolvido em
trabalhos posteriores, nomeadamente o de Murdock.
No mesmo livro Lowie explicita os papéis dos
agrupamentos que não são baseados sobre o
parentesco nas sociedades primitivas.
Entre as suas ideias mais contestadas estão as
referentes ao papel da economia e ao processo de
formação do Estado. Lowie pensava que se deveria
considerar não tanto um determinismo económico
mas mais um determinismo cultural. O objectivo
do Potlatch, segundo este autor,seria não a
busca da riqueza, mas a busca do prestígio.
Relativamente à formação do Estado, considerava
que ela implicava uma estratificação social.
Sobre o mesmo assunto Lowie escreveu, em 1927, a
Origin of State, na qual aprofunda estas
ideias, contudo, ainda com menos sucesso.
Lowie ficou, igualmente, conhecido pelo seu
livro, largamente utilizado, The History of
Ethnological Theory (1937)., onde o autor
estabelece como ponto de partida da Antropologia
Moderna o difusionismo. As raízes deste
remete-as para Morgan, seguido de Tylor. Na
mesma obra apresenta a problemática da difusão
como oposta à da evolução.
Enquanto que os erros de Kroeber são claramente
consequências de um método imperfeito, de uma
atitude inflexível e prematura de recusa da
perspectiva nomotética, os erros de Lowie são
mais sérios, são de uma natureza totalmente
distinta. A longa distância têm-se a impressão
que fracassou não porque aplicara um modelo de
ciência social defeituoso, mas porque não
conseguiu aplicar o modelo que defendia.
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POIRIER, Jean
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